Adiamento devido à Covid-19 se soma a controvérsias do Grammy

11.01.2021 | 22h10
Folhapress
Por Folhapress
Grammy 2021

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No ano passado, a transmissão da cerimônia teve sua menor audiência em 12 anos

A cerimônia do Grammy 2021 foi adiada menos de quatro semanas antes da data para a qual estava marcada originalmente, dia 31 de janeiro, e agora será no dia 14 de março. A própria divulgação do adiamento, noticiada pela revista Rolling Stone e confirmada horas depois pela organização, demonstra a confusão em que se encontra a premiação.

A razão para postergar a cerimônia é o crescimento dos casos de Covid-19 em Los Angeles. A premiação de 2021 será feita só com artistas e apresentadores, sem convidados. O adiamento se soma a uma série de reclamações de artistas e críticos, que parecem aumentar a cada mês que passa. Mais do que a próxima edição da premiação, as críticas ao Grammy, na verdade, vêm se tornando a tônica nos últimos anos, enquanto os novos organizadores do prêmio - o mais importante da indústria fonográfica - penam para manter sua credibilidade.

Ken Ehrlich, que produziu a premiação por quatro décadas, abriu mão da posição no ano passado. O novo comandante, Ben Winston - que trabalhou com James Corden -, promete uma revolução. No ano passado, a transmissão do Grammy no canal americano CBS foi vista por 18,7 milhões de pessoas. Foi a menor audiência em 12 anos.

Entre o fim de 2019 e o começo de 2020, Deborah Dugan assumiu e foi retirada da presidência da Academia de Gravação, instituição que organiza o Grammy. Ela trabalhou para rejuvenescer a premiação - que em 2020 consagrou Billie Eilish, então com 18 anos -, mas saiu do cargo dez dias antes da cerimônia, dizendo ter sido retaliada por revelar escândalos de abuso sexual, irregularidades na votação e conflitos de interesse.

The Weeknd, que num ano atípico teve um disco muito bem recebido - tanto pelo público quanto pela crítica - é o grande algoz da vez. Seu álbum lançado em 2020, "After Hours", foi esnobado em todas as 84 categorias, e ele chamou a Academia de corrupta. Outros artistas fizeram coro. "Acho que deveríamos parar de nos chocar todo ano com a desconexão entre as músicas que impactaram e esses prêmios, e apenas aceitar que, o que uma vez foi a maior forma de reconhecimento talvez não tenha mais importância para os artistas de agora e para os que virão depois", escreveu Drake, que foi provavelmente o músico mais ouvido do mundo na última década.

No Twitter, Nicki Minaj endossou. "Nunca se esqueçam que o Grammy não me deu meu prêmio de artista revelação quando eu tinha sete músicas simultaneamente na Billboard. Eles o deram ao homem branco Bon Iver." Segundo Elton John, a canção "Blinding Lights", de The Weeknd, merecia ganhar como música e gravação do ano.

Fiona Apple, queridinha da crítica e cujo disco "Fetch the Bolt Cutters" rendeu a ela três indicações, também falou mal do Grammy em entrevista ao jornal The Guardian. Ela não aceitou a indicação de Dr. Luke, acusado por Kesha de assédio sexual - o que ele nega -, a produtor do ano pelo trabalho com Doja Cat. Também falou sobre a saída de Dugan. "Há muitas coisas que ela trouxe à tona e que fazem com que seja impossível para mim ignorar a situação. E eu realmente não quero ir até lá e apoiar [a cerimônia]."

Recentemente, três dos cinco indicados ao melhor álbum infantil recusaram suas nomeações em protesto pela ausência de negros na categoria. O cantor Alastair Moock e as bandas Okee Dokee Brothers e Dog on Fleas disseram, em carta, que "não poderiam, em sã consciência, se beneficiar de um processo que historicamente negligenciou as mulheres e artistas negros".

Artistas de hip-hop se queixam há décadas. Em 2019, Childish Gambino, premiado em quatro categorias, não foi à cerimônia - Drake apareceu, mas criticou o prêmio e teve o microfone cortado. Kendrick Lamar boicotou naquele ano. Frank Ocean - quase unanimidade para a crítica americana - nem sequer inscreveu os seus discos.

No ano passado, Tyler, the Creator, que ganhou o melhor disco de rap, saiu da cerimônia dizendo - com razão - que seu álbum "Igor" misturava gêneros, e que o relegar à categoria configurava racismo. Anos antes, Drake disse o mesmo, quando recebeu um prêmio de rap por "Hotline Bling", considerada por ele - com razão - uma canção pop.

Tais reclamações fizeram a Academia abandonar o uso de termo genérico "urbano" para categorizar discos ou músicas. Harvey Mason Jr., atual presidente da Academia, citou "um novo capítulo em nossa história". "Estamos ouvindo e aprendendo através dos nossos parceiros, constituintes e acionistas. Estamos tentando garantir que estejamos aptos a mudar e adaptar. E queremos ser verdadeiramente inclusivos", disse ele em 2020.

Até mesmo cantoras pop, como Ariana Grande e Taylor Swift, faltaram à cerimônia em anos mais recentes. A primeira acusou censura em uma de suas performances e apareceu no ano seguinte cantando seu trap-festeiro de maneira pouco adequada com uma orquestra. A segunda, que coleciona gramofones na carreira, se sentiu injustiçada no ano passado e, em 2021, retorna como uma das mais indicadas.

As queixas de mulheres e de artistas negros encontram fundamento nos números. O caso de Beyoncé é exemplar. A artista mais indicada neste ano foi citada 79 vezes em categorias do Grammy, igualando Paul McCartney e atrás de Quincy Jones e Jay-Z, com 80 indicações cada um. Ela ganhou 24 gramofones, mas a maioria em categorias menores. Já perdeu em disco do ano três vezes, em gravação do ano cinco, e em música do ano outras duas. A única vez que foi premiada numa das quatro categorias principais - que também incluem artista revelação - foi com "Single Ladies (Put a Ring on It)", em música do ano.

Talvez a situação mais marcante tenha sido em 2015, quando Beck - com um disco pouquíssimo lembrado atualmente, "Morning Phase" - bateu um dos mais aclamados álbuns de Beyoncé, na categoria de disco do ano. As reclamações se acumulam, e o Grammy tem uma tarefa ainda mais difícil para conseguir driblar as desconfianças. E isso vale não só para o público, mas para os artistas - que, cada vez menos dependentes das grandes gravadoras, são a matéria-prima tanto do prêmio quanto da própria indústria da música.

*por Lucas Brêda

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