BLOG
Em entrevista exclusiva à Itapema, o líder e vocalista do Travis falou sobre o processo de composição do novo álbum da banda, "10 Songs"
Não é incomum que, ao entrevistar um artista por telefone ou internet, um jornalista receba uma janela de apenas quinze ou vinte minutos para conversar com o entrevistado. O que varia é se o tempo vai ser suficiente, exagerado (no caso de artistas mais lacônicos ou diretos, que encerram a conversa rapidamente com respostas curtas), ou passar voando.
Fran Healy, líder e vocalista da banda escocesa Travis, pertence ao terceiro grupo: animado e eloquente, o músico relembra antigas memórias, usa metáforas e esmiúça detalhes para responder a cada pergunta - tudo em um sotaque escocês carregado e bastante característico. Quando o tempo termina, chega a me perguntar se eu quero continuar em outro momento, caso algumas questões planejadas tenham ficado de fora.
A bateria de entrevistas é em função de 10 Songs, novo álbum do Travis, que chegou ao mercado em outubro deste ano: o disco é co-produzido pelo próprio Healy, em parceria com Robin Baynton, que já trabalhou com artistas como Coldplay e Florence & The Machine. No registro, o grupo conta com contribuições de Jason Lytle (do Grandaddy), Greg Leisz (colaborador de Beck e Bruce Springsteen) e Susanna Hoffs (do The Bangles). Em 10 Songs, Healy volta ao papel de compositor principal de todas as músicas do trabalho pela primeira vez desde 12 Memories, de 2003.
"O processo de composição é meio difícil para mim", ele diz a respeito, me pegando de surpresa. "Eu não sou um grande fã de escrever músicas, para ser sincero. (risos) É um pouco como se fosse dever de casa, sabe? Outro dia eu estava conversando com um amigo meu que é fotógrafo e comentei como tenho inveja do trabalho dele. Quando ele vai fotografar uma paisagem, digamos, ele chega com o equipamento dele e fotografa. Se eu for comparar isso com composição, vou dizer que, para o compositor, é como se você tivesse que criar a paisagem: criar o mar, criar o céu, criar tudo isso antes de ter a fotografia pronta. Você começa com absolutamente nada."
"Você tem que escavar profundamente até encontrar uma inspiração, uma pequena frase, na qual normalmente tropeça por acidente, para então começar a trabalhar a partir dela", ele prossegue. "Até encontrar essa primeira centelha, compor é como pescar em um lago enorme onde só há um ou dois peixes - boa sorte tentando encontrá-los."
Ele diferencia o processo de composição de bandas e artistas independentes como o Travis daqueles voltados para um trabalho mais estritamente comercial. "Alguns artistas tem um processo de composição mais... Objetivo, digamos assim. Eles seguem uma fórmula", explica. "Você pega as paradas musicais e diz 'okay, eu quero encaixar minha música aqui, entre a Lady Gaga e a Ariana Grande, bem nesse nicho'; e trabalha a partir da fórmula. E há artistas que trabalham de um jeito que, no fundo, não tem nada a ver com negócios. É uma coisa mais mágica, quase espiritual. É como eu gosto de trabalhar."
E como funciona esse processo? "Eu acho que a melhor maneira de descrever é dizer que o processo é ouvir a si mesmo: você fica muito, muito quieto, e começa a ouvir o que está acontecendo lá dentro de você. E isso leva muito tempo. É um processo trabalhoso, entediante. A parte divertida, claro, é gravar esse material depois que ele está finalmente escrito. Mas durante o processo de ouvir o que está acontecendo dentro de você, você nunca sabe direito o que vai captar."
Ele cita Nina's Song, música do novo álbum, como exemplo: "Eu escrevi essa canção há uns quatro anos, quando um amigo meu estava trabalhando em um roteiro para um programa de TV sobre duas garotas que estão em uma busca para descobrir quem é o verdadeiro pai delas - ele me propôs escrever uma música para o programa, e eu decidi tentar. Ele é um produtor grande, sabe? Já trabalhou em The Crown, um monte de filmes. Então eu estava me sentindo meio pressionado; o que é bom, de certa forma."
"Quando comecei a escrever, eu me senti conversando com meu eu de sete anos de idade", ele prossegue. "Eu cresci sem um pai - e eu era desesperado pela ideia de ter um pai. Eu costumava perguntar à minha mãe se ela não podia ir a uma loja de pais, e comprar um para mim. E todos esses sentimentos começaram a voltar quando eu estava compondo: foi como se o meu eu de sete anos de idade finalmente estivesse expressando coisas que, na época, ele nunca soube muito bem como expressar."
A Ghost, primeiro single de 10 Songs, também é uma conversa entre Fran Healy e Fran Healy: "Ela me leva de volta a quando eu tinha 21 anos de idade: eu escrevi uma carta para mim mesmo naquela época, dizendo que eu devia investir de verdade no sonho de ter uma banda, de ser um músico - mesmo que todo mundo tentasse me convencer a ter um 'trabalho de verdade'", ele conta. "Eu escrevi algo tipo 'daqui a cinquenta anos, você não quer olhar para trás e pensar 'ah, se eu tivesse tentado, se eu tivesse seguido meus sonhos'...', e eu sinto que essa carta realmente me impulsionou a tentar fazer aquilo que eu queria fazer."
"E parece que, depois dos 40 ou 50 anos de idade, sua vida meio que começa a desacelerar", ele continua. "Você já fez grande parte do que queria, e aí começa a ficar... Acomodado, ou preguiçoso. E eu acho que A Ghost foi um retorno dessa carta que eu escrevi para mim mesmo aos 21 anos: eu me agarrei pelos ombros e falei 'vá lá, faça tudo o que você quer fazer! Você só tem no máximo mais uns trinta anos; você quer morrer pensando que desistiu de fazer coisas novas quando ainda estava na metade da vida?!'"
Ele muda completamente de tom quando pergunto como é promover o disco em meio à pandemia: "É horrível", responde, direto. "É tão horrível! Estou muito feliz por você ter perguntado, assim eu posso reclamar à vontade. (risos) Tudo leva quatro ou cinco vezes mais tempo e exige quatro ou cinco vezes mais esforço do que em uma situação normal."
"Por exemplo, antes da pandemia, se nós fôssemos fazer uma apresentação acústica em uma rádio, nós simplesmente aparecíamos, tocávamos, e íamos embora", ele explica. "Agora eu preciso gravar as coisas sozinho em casa, trocar mil emails com os outros caras da banda para eles também gravarem as partes deles; aí juntamos tudo, mandamos para os veículos, e às vezes eles respondem dizendo 'poxa, vocês não gravaram um vídeo também?' - e aí começamos tudo de novo... (risos) Nós levamos umas sete ou oito horas para fazer coisas que antes fazíamos em uma hora."
Como muitas outras bandas, o Travis tem tentando contornar as dificuldades impostas pela pandemia por meio da criatividade - com videoclipes elaborados, que aproveitam recursos como desenho e stop-motion. O resultado é lindo - mas, exatamente como Healy contou, envolve um esforço tremendo.
"Ontem eu estava procurando algum arquivo antigo no meu iPhone, e cheguei aos arquivos de abril, que foi a época em que eu estava fazendo o vídeo de A Ghost - e tem uns mil desenhos lá, todos feitos para o vídeo", ele narra. "Por um lado, é bom: é bom porque eu preciso me esforçar mais, ser criativo, ir além do que eu costumava fazer até agora. E acho que todo mundo está se sentindo um pouco assim: aprendendo coisas novas, se desafiando, aprendendo mais até sobre si mesmo. Então isso é positivo, apesar de todo o trabalho envolvido."