"Coringa" ou "Curinga"? A curiosa história do nome do vilão no Brasil

03.10.2019 | 15h30 - Atualizada em: 03.10.2019 | 15h50
Anna Rios
Por Anna Rios
Joaquin Phoenix no filme "Coringa"

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Segundo especialistas em língua portuguesa, o correto seria usar "u". Mas a indústria dos quadrinhos preferiu batizar o personagem com "o"

Por GaúchaZH

Com a estreia do filme centrado na figura do arquirrival do Batman nesta quinta-feira (3), uma discussão envolvendo o nome do vilão vem novamente à tona: o correto é Coringa ou Curinga? Desde a década de 1940, quando o Joker, personagem dos quadrinhos da DC Comics, foi trazido ao Brasil, a grafia da palavra sofreu uma pequena modificação: de "u" passou a ser escrita com "o". 

A ortografia acabou deixada de lado por conta da estética - um embate que deixaria o vilão de sorriso aberto. Se, de um lado, a tradução de joker para o português pode ser curinga, a carta mais versátil do baralho, de outro a indústria dos quadrinhos e dos filmes achou que o "c" mais o "u" poderia induzir o leitor a um outro tipo de associação, o que motivou a alteração na nomenclatura do vilão. Se você for ao cinema a partir desta quinta-feira (3), verá, no cartaz do filme protagonizado por Joaquin PhoenixJoker no original, o título como Coringa - com "o" mesmo. 

Uma tradução "mais comportada"

Não se sabe a data exata em que o vilão começou a se chamar Coringa no Brasil. Entre estudiosos e tradutores de HQs, circula a informação de que a Ebal, uma das mais importantes editoras de histórias em quadrinhos do país, trocou o "u" pelo "o" para que a sílaba "Cu" não ficasse à solta nos balões que traziam os diálogos dos personagens, já que os gibis eram pequenos. Com o "o", o nome ficaria "mais comportado", ao ser escrito e pronunciado.

HQ do "Superman" onde o Coringa aparece — e escrito com "o"Foto: Divulgação

"Os editores das antigas eram muito preocupados com isso. Principalmente porque os balões de gibi são muito apertados, então acontecia muita quebra de sílaba. A chance de um "CU-" aparecer era grande e, até a editora explicar, já teria pai deixando de comprar gibi", conta o gaúcho Érico Assis, tradutor de HQs e doutor em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

Pela Ebal, a edição mais antiga em que o nome do vilão aparece como Coringa em uma capa de gibi é datada de 1947. Porém, Assis mostra que, antes disso, existiram outras publicações que chamaram o personagem de outros nomes mais ligados a sua aparência, como O Palhaço, O Galhofeiro e até O Risonho, nomenclaturas que apareceram no início da década de 1940 nas revistas O Lobinho e Guri Cômico. 

"Tem uma história famosa com o vilão do Mickey, o Bafo de Onça. O nome dele aparece com as sílabas quebradas em um balão: BA e FODEONÇA. O 'fodeonça' virou lenda. As traduções eram uma bagunça", resume Assis, que acumula a tradução de cerca de 300 publicações em sua carreira.

O que diz a língua portuguesa

De acordo com o Dicionário Aurélio, as duas palavras têm significados diferentes na língua portuguesa. Curinga vem de kuringa, termo da língua africana quimbundo que significa "matar". No Brasil, a palavra é bastante usada para a carta do baralho que muda de valor e combinação dependendo do local em que é colocada em um jogo. Mas também pode se referir a um bobo da corte: uma pessoa esperta, engraçada, sem escrúpulos e polivalente. 

Já a palavra com "o" muda de sentido, podendo ser um tipo de vela que se coloca em embarcações ou uma pessoa considerada raquítica. 

Para alguns especialistas em ortografia e etimologia, por ser uma personificação da carta, a escrita correta deveria ser Curinga - quando estreou o Batman (1989) de Tim Burton, por exemplo, não era incomum encontrar textos chamando o vilão interpretado por Jack Nicholson de Curinga. Mas outras fontes, incluindo o dicionário Houaiss, destacam as duas formas como corretas. A própria origem africana da palavra é questionada para justificar o uso do "u", uma vez que, argumentam os defensores do "o" , escrevemos, em caso semelhante, moleque e moqueca, e não "muleque" e "muqueca". 

Professor de Língua Portuguesa e colunista de GaúchaZH, Cláudio Moreno acredita que, muito mais do que uma questão de constrangimento, o hábito fez com que a palavra fosse escrita com "o" no Brasil. "Ortografia é um hábito, uma combinação. Ficou definido que curinga seria com "u". Mas, de acordo com o Houaiss, coringa passou a ser usado como variante de curinga em 1951. Quem escreveu a primeira propaganda do Joker escreveu com "o". Fixou-se e está fixado, não tem como mudar", explica Moreno.

Tanto se fixou que, ao fazer uma rápida pesquisa no Google pela palavra coringa, aparecem aproximadamente 16 milhões de resultados - e os primeiros itens mostrados são os horários dos cinemas mais próximos em que o filme irá passar, além do cartaz e as principais informações sobre o novo longa. Diferentemente de curinga, com 4,2 milhões de citações - e o que surge de cara é sua definição no dicionário.

"Se meu juramento é defender a Língua Portuguesa até a morte, eu vou escrever com U, sempre citei com U, mesmo que eu não goste", diz o professor Moreno, rindo.

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