Jim Morrison é tema de diversos livros nos 50 anos de sua morte

29.03.2021 | 15h19
Folhapress
Por Folhapress
Jim Morrison

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Mundo Itapema

O músico morreu em julho de 1971, aos 27 anos de idade

"Índios espalhados sangram na estrada da aurora/ Fantasmas se aglomeram na frágil mente da criança." Os versos que Jim Morrison recita em "Peace Frog" fazem parte da mitologia que o vocalista da banda The Doors difundiu em torno de sua figura. São como uma imagem fundacional de seu panteão de xamãs, soldados anônimos, selvas de dor, cavalos afogados e meninos insanos esperando a chuva de verão.

Natural, portanto, que a cena, que Morrison dizia ter testemunhado na infância após o capotamento de um caminhão no Novo México, ocupe as primeiras páginas de "Ninguém Sai Vivo Daqui", biografia que Jerry Hopkins e Danny Sugerman escreveram sobre o cantor. Enquanto o carro do pai se afastava do cruzamento, o espírito de um dos índios acidentados deixou o corpo e ocupou o do pequeno Jim, ele costumava dizer.

O livro ganha nova tradução no embalo dos 50 anos da morte do vocalista, que teve o corpo encontrado numa banheira em Paris, em julho de 1971. Não houve autópsia e ele foi enterrado no cemitério Père-Lachaise num cortejo que incluiu cinco pessoas, entre elas a cineasta Agnès Varda.

Para marcar a data, ainda haverá o lançamento de "Morrison Hotel", graphic novel de Leah Moore que presta homenagem à banda, e, em junho, uma coletânea com todos os poemas, letras, anotações e diários deixados pelo intérprete de "Light My Fire", com metade do material inédito. As obras põem em perspectiva o legado do roqueiro que preferia ser poeta e que, embora tivesse despontado junto com os hippies, compartilhava muito pouco com eles além da aversão a cortar o cabelo.

Enquanto seus colegas de San Francisco cantavam sobre coroas de flores, ele flanava por ruas decadentes de Los Angeles escrevendo letras sobre incesto, parricídio e assassinos à espreita na estrada. Não é à toa que Francis Ford Coppola, seu colega no curso de cinema, escolheu a sua música "The End" para embalar a viagem aos confins do pesadelo de "Apocalypse Now".

Morrison, mostra a biografia, era um cara bem culto. Bom aluno, leitor voraz, tinha uma paixão por Nietzsche, por Rimbaud, por Byron, por Hieronymus Bosch e, sobretudo, por Kerouac - amava o Dean Moriarty de "Pé na Estrada", e se inspirou nele quando foi da Flórida à Califórnia de carona. Também gostava de Brecht, Aristóteles, Aldous Huxley e William Blake. Tudo coube no liquidificador de referências eruditas que levou para suas letras.

Em meados dos anos 1960, acabou enveredando pela música um pouco por acidente ao mostrar seus escritos ao amigo Ray Manzarek, que se tornaria tecladista do Doors. A eles se juntaram o guitarrista Robby Krieger e o baterista John Densmore, que se conheciam do curso de meditação.

Morrison via no rock uma oportunidade de extravasar seus interesses pelo comportamento das multidões. O gênero sempre foi ancorado na performance, mas o cantor buscava nele algo eminentemente teatral - no sentido da catarse próxima ao transe defendida por Antonin Artaud. Se no início ainda cantava de costas para o público, aos poucos ele foi se soltando, se contorcendo ao microfone com suas justíssimas calças de couro. Era o xamã obsceno ou o xamá elétrico, como a imprensa se referia à figura magnética que transformou o Doors numa mistura de banda intelectual e sexual.

Amparada por entrevistas com quem o cercou ao longo de seus 27 anos, a biografia sustenta, com algum exagero, que Morrison foi o mais genuíno representante da geração que implodiu os valores dos progenitores nos anos 1960. De fato, o primogênito de um rígido almirante e de uma dona de casa viu os pais pela última vez anos antes do estrelato e nem os quis receber quando tentaram se encontrar com ele num show. Costumava dizer que era órfão. Os versos freudianos sobre matar o pai e foder a mãe em "The End" só contribuíram para preservar essa imagem.

Rebelde, sim. Mas violento, às vezes doce, arrogante, cruel, caótico, pretensioso e, principalmente, alcoólatra. Assim como os contemporâneos de sua cena, Morrison também tomou muito ácido, fumou muita maconha e cheirou um bocado de cocaína - em especial no seu casamento com Patricia Kennealy, que acabou com ambos transando ensanguentados. Mas parece não haver página no livro que não descreva o músico segurando uma garrafa de uísque, tropeçando ou vomitando. Bebia porque seus ídolos bebiam, depois passou a beber para aliviar as pressões da fama e, enfim, para domar a depressão.

Em 1967, ano do primeiro disco do Doors, ele ainda era o "Dionísio do Surf", com torso esquálido e costelas sobressalentes. Um pouco depois, já adotava camisas para fora da calça para disfarçar a pança. Mas até lá já tinha virado escravo da imagem sexy inicial. E, incomodado com um público que mais queria ver o circo pegar fogo do que apreciar sua arte, se rendeu ao confronto. Chamou de idiotas os espectadores de um show em Miami, falou palavrões, ameaçou baixar a cueca (ninguém tem certeza se de fato fez) e ajudou a destruir o palco. Foi processado por indecência num caso midiático que se arrastou por meses e fechou a porta de casas de shows para a banda.

Pegou um avião até Paris e não voltou a Los Angeles, "cidade noturna de anjos perdidos", como cantava. Na França, comme d'habitude, conheceu espeluncas, se embriagou e talvez tenha provado heroína antes de morrer. Dizia a amigos, após a morte de Janis Joplin e Jimi Hendrix, que ele seria "o número três". De fato foi. Antes, tentou matar a persona roqueira. Como poeta, fazia questão de assinar como James Douglas Morrison. Não deu certo. Hoje, 50 anos depois, a capa da aguardada compilação de seus escritos ainda traz, em letras enormes, o nome Jim Morrison.

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