Série de diretor de "Me Chame Pelo Seu Nome" reforça seu voyeurismo

07.10.2020 | 19h03 - Atualizada em: 12.10.2020 | 02h14
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"We Are Who We Are" está disponível na HBO

"Sobre estilo", diz Luca Guadagnino, que quando ouve essa palavra saca o seu revólver. Bem, talvez a frase já seja um sintoma de estilo. O fato é que, ao se definir como "voyeur", o diretor siciliano dá uma boa pista do que são seus filmes, em que os personagens centrais tendem a estar mais na observação do mundo, do que no centro dos acontecimentos.

Não que não estejam, claro. Mas uma parte desse estar no centro consiste na observação. É bem o que se vê no seriado da HBO We Are Who We Are. E é talvez o que se justifique, pois tudo (nos primeiros capítulos, pelo menos) gira em torno de Fraser (Jack Dylan Grazer). Filho de duas militares, ele é tirado de Nova York para uma base americana em Chioggia, norte da Itália (perto de Veneza). Os sinais de desagrados com a situação são claros e ostensivos. No mais, Fraser sente-se rejeitado pela mãe, Sarah Wilson (Chloë Sevigny), a nova responsável pela base. Com as responsabilidades que assume, Sarah de fato não dá muita atenção ao adolescente. Nas horas amargas, quem está mais por perto é Maggie (Alice Braga), com quem Sarah é casada.

Fraser é o "voyeur" da história, menos por vocação do que pela necessidade de saber onde está, com quem pode contar, que novos amigos pode fazer. Logo uma delicada intriga se impõe: Fraser sente-se atraído por Caitlin (Jordan Kristine Seamón), colega no novo colégio, que tem um namorado bem ciumento. Há um cuidado de Guadagnino em preservar, em alguns personagens, características um tanto andróginas. Se isso não configura um estilo, pelo menos define um mercado, como o que impulsionou sua carreira com Me Chame pelo Seu Nome.

We are who we are, como quer HBO, que em língua não imperial poderia bem se chamar Somos o que Somos. Mas, o que fazer? HBO é o que é. E o significado é múltiplo, pois a tendência ao longo dos episódios é o espectador que seguir a série descobrir quem são esses moços e rapazes que formam a geração dos filhos dos integrantes da base. Neles, de início, uma notação interessante: o supermercado, diz uma garota, tem a mesmíssima organização em todas as bases americanas do mundo, para que as pessoas não se sintam perdidas. Ou seja, sintam-se em casa. Elas fazem o possível.

Ainda que professe a ideia de sacar o revólver quando escuta a palavra estilo, é quase impossível não reconhecer um estilo em Guadagnino. É alguém que se preocupa muito mais com a ambientação do que com tramas muito cerradas ou movimentadas. Também não preza demais pelo acirramento de contradições. Assim como em Me Chame, um jovem se descobre gay sem que haja problema algum à vista (nem na família, nem nele, nem no mundo em volta). Aqui negros e brancos confraternizam sem problema, quase com entusiasmo.

As diferenças se anulam numa base? Pode ser. Mas, no caso, também servem para alimentar a "bolha" liberal-hollywoodiana, onde contradições se desfazem magicamente sob o influxo do vocabulário politicamente correto. Estamos longe do que pensam diretores negros, como Spike Lee ou Jordan Peele. Estamos mais longe ainda do que pensa a polícia dos EUA, que baixa o sarrafo nos negros (nos dias em que está delicada, claro).

Para compensar a intriga diluída, Guadagnino recorre ao mesmo método empregado por Quentin Tarantino em Pulp Fiction, de quebrar a cronologia retroagindo a pontos de vista novos (do ponto de vista da intriga). Ainda assim, pode-se pensar se o espectador se sentirá tentado a continuar seguindo o seriado, que tem pontos de atração mercadológicos (uma mulher comandante de base, por exemplo) e a incursão à base americana (que parece em princípio intrigante), além da aproximação aos personagens adolescentes e à sua ambiguidade sexual - o que pode não caracterizar um estilo, é claro, mas cerca um mercado seguro, ao qual o cinema tem dado pouca atenção.

Em resumo: não é pegajoso como Me Chame Pelo Seu Nome, o que é um progresso, mas parece preparar com cuidado e sem pressa os momentos mais interessantes da trama, confiando em que os espectadores esperarão por esse dia. Talvez não compense esperar por uma resposta à pergunta incontornável desta série: o que faz uma base norte-americana nas cercanias de Veneza?

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