Séries e filmes em inglês perdem força em meio à internacionalização do streaming

05.08.2020 | 17h47 - Atualizada em: 13.08.2020 | 12h23
Folhapress
Por Folhapress
Dark

BLOG

Universo Compartilhado

Alguns dos maiores sucessos de plataformas como a Netflix vêm de países como Turquia, Espanha e Alemanha

Se você é assinante da Netflix muito provavelmente já clicou em alguma série original da plataforma e ouviu sair da boca de seus personagens palavras que certamente não eram inglês, sejá lá de que idioma fossem. Isso porque alguns dos maiores sucessos do catálogo do serviço de streaming, hoje, não são importados dos Estados Unidos ou do Reino Unido, países que por anos dominaram o que era consumido em larga escala na televisão e no cinema ocidentais.

Com a ascensão dos serviços de streaming, encabeçada pela Netflix, os últimos anos têm servido de palco para uma internacionalização dos conteúdos audiovisuais de grande sucesso ao redor do globo. "La Casa de Papel", "O Último Guardião", "Dark", "Osmosis", "Silêncio na Floresta" e "Kingdom" são hoje algumas das mais preciosas pérolas da plataforma, justamente porque romperam a barreira do idioma e foram abraçadas numa ampla gama de países. Elas são, respectivamente, produções da Espanha, Turquia, Alemanha, França, Polônia e Coreia do Sul.

A explicação mais óbvia para essa tendência é a facilidade de acesso a obras que dificilmente viajariam o mundo se dependessem exclusivamente de emissoras locais, seja por questões culturais ou burocráticas. No caso da Netflix, a empresa está presente em cerca de 190 países, o que facilita a distribuição maciça e simultânea de conteúdos. Mas isso não necessariamente explica o sucesso que essas séries de sotaques estranhos e costumes peculiares encontram a quilômetros de distância de suas raízes. O espectador também está mudando seu comportamento, enquanto, paralelamente, produtoras locais têm se aventurado e se aperfeiçoado, graças às novas possibilidades de distribuição garantidas pelo streaming.

"Enquanto conteúdo local tradicionalmente tende a ter um apelo maior com audiências locais, há sinais claros de que o público mundial está desenvolvendo gostos e interesses mais amplos e diversos", diz Louis Brennan, professor na universidade irlandesa Trinity College que acompanha há anos a expansão da Netflix. "A Netflix é um fenômeno internacional e está contribuindo para um cenário cultural mais globalizado. Para isso, tomou como estratégia tanto a expansão de seu mercado - buscando assinantes em todo o mundo -, quanto a internacionalização de suas fontes, adquirindo e produzindo conteúdos em múltiplas regiões."

Para Brennan, os fatores-chave que determinam onde é interessante manter uma sólida base de produções locais incluem o tamanho do mercado de assinantes naquele país, a quantidade de mercados internacionais com características culturais semelhantes e a competitividade na região. "E, com o crescimento populacional no mundo não-anglófono, é natural que haja uma menor dominância das produções em língua inglesa", complementa.

Ainda de acordo com ele, essa estratégia está contribuindo para um aperfeiçoamento e uma diversificação no que é produzido em países que, tradicionalmente, são bombardeados por conteúdo gringo. Esse é o caso da Turquia, que hoje exporta algumas das obras que mais reverberam entre o público brasileiro da Netflix, como a já citada "O Último Guardião" e o filme "Milagre na Cela 7" -ambos ficaram vários dias no ranking dos mais assistidos do serviço no Brasil. "Antes nós produzíamos muitos romances e comédias. Agora, com o streaming, nós estamos tentando diversificar os conteúdos turcos. Não era fácil testar gêneros diferentes, mas agora nós estamos trabalhando nisso", explica Pelin Distas, diretora de produções originais da Netflix na Turquia.

"Esse alcance global foi uma surpresa para o mercado, mas eu acho que se você está criando obras com autenticidade em relação ao contexto no qual estão inseridas, as pessoas vão gostar. É algo fresco, original, novo, único e, portanto, muito poderoso." Apesar de ser vaga em relação a seus dados, a Netflix informa que mais de um terço da audiência de séries e filmes turcos, em seu mês de estreia, vem da América Latina. Ao lado da Turquia, a Espanha é hoje um dos grandes exportadores de sucessos do audiovisual. As máscaras da série "La Casa de Papel" são reconhecidas mundialmente, mas outros títulos, como "Elite", "Vis a Vis", "Merlí", "O Píer", "As Telefonistas" e o filme "O Poço" têm bases de fãs grandes e sólidas no Brasil e em vários outros locais.

Parte de dois mundos, o da TV tradicional e o do sob demanda, a HBO também aposta nessa nova pluralidade de narrativas. Na semana passada, a empresa anunciou seis novas produções originais a serem rodadas no Brasil, já que nós também temos ganhado projeção mundial - a série "3%", por exemplo, começa neste mês sua quarta temporada depois de trilhar uma boa carreira internacional. "Esse processo de globalização modificou os hábitos de consumo e ajudou a impulsionar as produções de idioma não-inglês", diz Roberto Rios, vice-presidente de produções originais da HBO na América Latina.

"Três elementos formam esse círculo virtuoso: o público com interesses mais diversos, as facilidades tecnológicas das plataformas e mais oportunidades para que criativos de todo o mundo possam produzir e distribuir seus conteúdos." Americanos e britânicos podem até lamentar o enfraquecimento de sua hegemonia na indústria do audiovisual, mas eles também estão contribuindo para o fenômeno.

"O mundo anglófono está se tornando mais receptivo a produções em língua não inglesa", diz Louis Brennan. Antes motivo de piada, a má-aceitação de filmes e séries em línguas estrangeiras nos Estados Unidos parece estar ficando mesmo para trás. Prova disso é a histórica conquista do Oscar de melhor filme do sul-coreano "Parasita", no início do ano. "Eu diria que nós estamos seguindo em direção a um cenário mais rico, diverso e variado no entretenimento. Não só por causa da questão idiomática, mas também pela pluralidade de temas que essa globalização permite que sejam tratados", conclui Brennan.

Matérias Relacionadas