Gabriel Braga Nunes lança projeto musical inspirado nos sonetos de Shakespeare; confira a entrevista

26.08.2020 | 12h28
Por Marina Martini Lopes
Editora
Com arranjos feitos em parceria com Luíza Lapa, que conheceu fazendo o musical "A Noviça Rebelde", e Leo Mayer, da banda Hurricanes, o ator estreia o projeto com o lançamento do single "All In War"

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O ator fala sobre o novo projeto, o single "All In War", e a criatividade em tempos de quarentena

William Shakespeare teve seu legado celebrado em torno de suas obras para teatro, e pouco se sabe sobre sua vida pessoal. Seus sonetos, no total 154, são obras menos conhecidas pelo público, mas que servem como base biográfica para estudiosos do artista. "É a parte da obra de Shakespeare que não tem personagens, em que ele fala por si; fala de seus medos, suas paixões, seus amores", comenta Gabriel Braga Nunes, conhecido por seus trabalhos no teatro e na TV, mas que agora lança um projeto musical - tendo como base, justamente, os sonetos do poeta e dramaturgo inglês.

Inspirado pelo conteúdo dramático dos poemas e por sua paixão por rock'n'roll, Gabriel Braga Nunes embarcou em um longo processo de composição para musicar os textos; que, nas letras, foram mantidos na íntegra, inclusive no idioma original de Shakespeare, o inglês arcaico. Com arranjos feitos em parceria com Luíza Lapa, que conheceu fazendo o musical A Noviça Rebelde, e Leo Mayer, da banda Hurricanes, o ator estreia o projeto com o lançamento de All In War, single que revisita o Soneto 15 de Shakespeare.

Em entrevista exclusiva à Itapema, Gabriel Braga Nunes fala sobre o novo projeto, a mensagem do single All In War, e a produtividade ao longo do período de quarentena. Confira.

Eu queria saber um pouco sobre a sua história com música. Você já havia trabalhado com música antes? De onde veio a vontade de agora fazer um projeto musical?

Quando fui fazer faculdade, eu já tinha dúvidas se devia fazer música ou teatro. Acabei optando pelo teatro, mas a música ficou no meu pensamento a vida toda. A cada duas ou três novelas, eu pensava "meu deus do céu, que vontade de tocar rock'n'roll". Um belo dia, há uns quatro anos, eu pensei: quer saber? Vou fazer esse tal de rock'n'roll. [risos] E aí comecei a compor. No início foi bem difícil escrever as letras - os riffs vinham fácil, mas as letras, não. E foi nisso que eu acabei encontrando o bom e velho Shakespeare, que não escreve nada mal, né? [risos] E a leitura dos sonetos dele foi uma surpresa pra mim. Eu não conhecia os sonetos de Shakespeare muito bem, e fiquei impressionado pela beleza deles. A carga dramática fez toda a diferença no processo de composição das músicas. Foi isso que destravou em mim o processo de composição, e eu comecei a compor uma música atrás da outra. Claro, a métrica shakespeariana é um belo facilitador; porque parece que a música já se apresenta a você pela métrica.

A letras das músicas são os sonetos, ou você fez adaptações, escreveu outra letra em cima deles?

Não, as músicas são os sonetos na íntegra: não fiz nenhuma adaptação, e inclusive mantive o inglês arcaico, o inglês original do Shakespeare. Dei meu jeito nas composições de fazer caber os sonetos sem adaptações, na língua original. Possivelmente, algum dia, quando pudermos fazer shows, eu vá falar, durante as apresentações, alguns dos sonetos que traduzi: eu fiz uma tradução livre de meia dúzia dos sonetos que mais me tocaram, e gostaria de usar em shows.

Musicalmente, como você descreveria esse projeto? Como as músicas soam?

O que mais me interessa, em matéria de rock'n'roll, é o início dos anos 1970 - do final dos anos 1960 até 1975, mais ou menos. Quase tudo o que eu escuto foi feito nessa época: amo a sonoridade, a liberdade poética que os artistas tinham, a teatralidade - amo os shows do David Bowie, do Alice Cooper; que faziam encenações, brincavam com personagens. Essa é minha principal referência: um pré-hardrock, meio misturado com folk, e com muita poesia misturada à música. Essa fusão de literatura com rock é algo que me interessa cada vez mais. Ainda entre as minhas referências, eu preciso citar Nick Cave, Leonard Cohen, e Lou Reed.

Do que trata esse primeiro single, All In War; e como foi traduzir especificamente esse soneto em música?

Basicamente, esse soneto fala que, em um momento de decadência, de declínio, de ruínas, a saída que nós temos é a arte, é o lirismo, é a poesia. Esse soneto meio que faz menção a todos os outros - há muitos sonetos de Shakespeare que tratam desse tema; da decadência, e da poesia como única salvação possível. Então eu achei que era um soneto interessante para abrir o projeto e fazer essa estreia.

Por que lançar singles soltos em vez de reunir todas as músicas em um álbum ou EP?

Eu já fiz muitas músicas, acho que umas dezessete. Mas acho que vou soltar single por single, mesmo. Eu acho que com isso dá mais tempo de focar em cada um deles, explorar o que cada um tem a oferecer. Estou achando interessante a ideia de trabalhar single por single: pensar na tradução de cada um deles, nas artes das capas... Eu sinto que cada um desses sonetos merece uma atenção especial, e, de repente, se eu botasse todos em um disco, três ou quatro deles passariam despercebidos.

Divulgação

Você começou a compor com os sonetos há quatro anos; mas a gravação e produção das músicas foi feita já no período de quarentena?

Sim, eu venho tocando essas composições há quatro anos, entre meus trabalhos como ator. Quando tudo fechou e eu fiquei sozinho em casa, eu pensei: "está na hora de botar isso pra acontecer". Então finalizei as masters, as mixes, dei os ajustes finais, comecei a bolar as capas, a estruturar o lançamento. Me dava uma sensação muito ruim pensar em só ficar recluso, fechado em casa; decidi que isso não podia ser um período perdido. Queria ter algo de bom para tirar disso tudo. E já saíram muitas coisas boas disso, mesmo; tanto no contexto familiar, na minha relação com a minha esposa, minha filha, quanto no trabalho. Esse projeto me alimenta demais, faz muito sentido para mim. Tem tanta coisa que a gente passa anos, décadas, falando "ah, mas se eu tivesse tempo...", e agora a vida deu esse tempo para a gente, né? Então eu decidi aproveitar.

Como você, muitos artistas que se dedicam ao teatro também parecem ter esse desejo de fazer alguma coisa com música, e vice-versa, talvez porque sejam duas maneiras bem diferentes de se expressar por meio da arte. Como você vê essa diferença?

Esse meu projeto musical tem sido muito autoral. No contexto de uma produção, de novela, teatro, cinema, você está sempre envolvido com uma equipe muito grande, um diretor, um autor; e nesse projeto eu tenho sido o autor em todas as etapas. Essa é uma lacuna que nós, atores, muitas vezes temos: uma sensação de que, nos trabalhos que fazemos, não conseguimos ser tão autorais. E, também, claro, na música você não está interpretando um personagem; você inventa a partir de si mesmo. O interessante dos sonetos do Shakespeare é justamente que eles são muito pessoais, autobiográficos: é a parte da obra do Shakespeare que não tem personagens; em que ele fala por si, fala de seus medos, suas paixões, seus amores. Então, por mais que eu esteja trabalhando com os sonetos, eu não estou falando por meio de personagens.

O que os sonetos de Shakespeare que você escolheu falam a alguém que está ouvindo essas músicas em 2020?

O último soneto em que eu trabalhei, ao longo desse último mês, começa assim: "Cansado de tudo isso, pela paz da morte eu imploro." E aí ele sai enumerando, um por um, os motivos de a vida estar completamente ruim, decadente e difícil; e o quanto ele deseja a morte. E finaliza dizendo assim: "Ah, eu partiria desse mundo facilmente... A não ser pelo fato de que, ao partir, eu deixaria meu amor sozinho aqui, neste barco." Eu acho que é um tema absolutamente atual e significativo; que encontra paralelos não só no Brasil de hoje, mas no mundo todo.

Você tem planos, ou vontade, de fazer shows com esse projeto, quando a pandemia permitir?

Ah, isso para mim é o principal. O meu foco é o ao vivo. Como ator de teatro, eu não vejo a hora de ter um palco onde subir e um bar onde tocar. (risos) Acho que o encontro com as pessoas, o cantar junto, é o grande barato. Tomara que a gente consiga fazer isso ainda neste ano, né? Eu confesso que não estou muito otimista, mas vamos ver. Tomara que seja possível.

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